segunda-feira, 15 de julho de 2013

MEDO DE VIVER - Sandra Marina Witkowski




Introdução

       Todos nós apresentamos, em algum momento e de alguma forma, um medo. A psiquiatria tem catalogado uma quantidade imensa de fobias por nós experimentadas.
       Porém, existe um medo maior. Um medo que permeia toda a nossa existência sem que sequer nos apercebamos. Um medo que nos imobiliza, impossibilitando-nos, não permitindo que nossa vida seja plena.
       Este medo, mesmo que em diferentes graus, está presente de forma subjetiva, intrínseca nos comportamentos.
       E então me pergunto: por que temos medo de viver? Por que temos medo do prazer? Por que temos medo da felicidade? Por que temos medo de amar?
       Se pararmos para pensar, uma criança de tenra idade não apresenta este tipo de resistência. Ela vive este prazer, esta liberdade, este amor. Enfim, vive por completo.
       Então, em que momento isto se instaura em nossas vidas? Quais acontecimentos nos levam a bloquear estas experiências? E ainda, quais as marcas que este bloqueio deixa em nosso corpo físico?
       E aqui se dá o meu interesse pessoal em discorrer sobre este tema. Um possível entendimento a respeito do medo/neurose. E, como um contato e um conhecimento um pouco mais apurado, pode levar a alguma resposta para que possamos viver plenamente.

Palavras chaves: medo, caráter neurótico, corpo, prazer, ser.



 
A instauração dos medos e suas conseqüências nos níveis psíquico e corporal

                                                         “A experiência é o melhor e talvez único
                                                                        e verdadeiro professor”.
                                                                                Alexander Lowen

       Lowen coloca a respeito da importância da experiência, como podemos observar na citação acima. Porém, situa diferenças nos padrões de percepção desta mesma experiência pelo indivíduo, levando-o a uma não consciência de seus sentimentos e motivações profundos, sendo esta falta de percepção típica do caráter neurótico.  
             “A  expressão    ‘cárater neurótico’  refere-se  a um   padrão  de  comportamento
                que  se baseia  num conflito  interno e representa medo da vida, do sexo, de ser.
                Reflete as primeiras experiências de vida da pessoa, porque ela foi formada em
                resultado   de   tais   experiências.   A mais   crucial  das   experiências   para  o
                desenvolvimento do caráter  neurótico é a edípica.” (Lowen,1980, pg.24).

       É sabido, assim como Freud afirma, que o conflito edipiano ocorre entre os três e seis anos de idade, estágio este crucial no desenvolvimento da personalidade. Até esta idade o indivíduo ainda é governado pelo princípio do prazer e seu ego identifica-se bastante com seu corpo. Após os seis anos inicia-se um processo de aculturação e considera-se que o ego está desenvolvido a ponto de iniciar uma dominância sobre o corpo e sobre as ações corporais, em nome do princípio da realidade.
        Neste momento a criança desenvolve um conflito entre sua natureza, suas necessidades instintivas e a cultura que lhe é transmitida através dos pais, que a representam, e são responsáveis pela instauração dos valores desta mesma cultura. Este processo faz exigências a esta criança, em termos de atitude e comportamento com o objetivo de “encaixá-la” na família e na matriz social.
       Este movimento cria resistências na criança que se sente “violada” em sua essência, levando-a a desenvolver um caráter neurótico e um medo da vida. “O caráter neurótico é a defesa da pessoa contra a violação.”(Ibidem, pg.60)
       E assim o indivíduo vai tentando lidar com este paradigma ao longo de sua infância e adolescência na tentativa de se enquadrar para viver em sociedade, sempre vivendo mais o que os pais “desejam” do que o seu verdadeiro ser.
       Em nossa cultura ocidental este fator se apresenta muito mais intenso. Nesta aculturação o que impera é o que este indivíduo será, não no intuito de ser como pessoa, mas sim como obterá mais recursos para viver nesta sociedade que valoriza o que se tem e não o que se é, na intenção de se impor mais condições de ter, de poder. Estamos mais comprometidos com o nosso sucesso do que preocupados com o ‘prazer de ser’;  “...poder e prazer são valores opostos e[...] o primeiro exclui o segundo...”(Ibidem)
       Na busca deste poder, o indivíduo tenta superar os problemas de sua personalidade negando-os, dizendo a si mesmo “não vou ficar com medo”, internalizando e potencializando este medo, garantindo a permanência desta emoção. E passa sua vida negando este problema de personalidade, gerando um conflito como se uma parte da pessoa se voltasse contra outra. Então o ego, por meio da vontade, é movimentado contra o corpo e as sensações do indivíduo, que se aprisiona ao destino que está tentando evitar.
       Como podemos observar, alguns indivíduos sentem uma grande dificuldade em crescer com suas experiências adquiridas ao longo da vida, repetindo o mesmo comportamento destrutivo, inúmeras e infindáveis vezes, estabelecendo assim um comportamento neurótico.
        Este comportamento tem raízes no conflito estabelecido entre o medo, o desejo e o prazer, que quando associado à culpa e à vergonha (vinculadas aos sentimentos e às sensações), estas são internalizadas criando este caráter neurótico.
       Em muitas situações de nossas vidas nos deparamos com este medo do prazer, vivendo neste conflito neurótico provocado pela repressão que executamos sobre o elemento negativo: “...o indivíduo prestativo nega seu ressentimento quando lhe pedem que o ajude; a mulher que banca a mãe nega seu medo de sexo, e a pessoa exageradamente crítica nega sua capacidade de amar.” (Ibidem).
       O indivíduo vive em uma luta interior entre o que ele é e o que acredita que deva ser, sendo um prisioneiro deste conflito, tornando-se incapaz de aceitar a si mesmo.  
        Este processo de luta interior constante leva o indivíduo a acumular tensões em toda a cadeia muscular de seu corpo criando o que Reich denomina como couraça.
  “Reich descreveu o caráter como um processo de formação da couraça ao nível do ego, que tinha por função protegê-lo contra perigos internos e externos”.(Ibidem, pg.59)
       E assim, com toda esta carga instaurada, o indivíduo é “jogado” na vida. É obrigado a conviver, a trabalhar, a estudar. E, conseqüentemente, passa a vida fugindo do “entrar em contato” com estas suas limitações, com estas suas couraças, estabelecendo um viver automático, quase maquínico, para sobreviver neste sistema de aculturação já mencionado anteriormente.
       “A contradição do pensamento moderno é pensar que poder e produtividade tornam a pessoa livre. A lógica por trás dessa crença é que, com poder suficiente, a pessoa pode fazer tudo o que desejar.” ( Ibidem)
        Porém, o indivíduo, mesmo sobrevivendo desta maneira, não pensa em outra questão senão a de encontrar a felicidade, trazendo mais um conteúdo de medo: “o atingimento do estado de felicidade determina em todos os seres humanos o surgimento de uma sensação desagradável de medo. “(Gikovate, 1981, pg.120).
       Podemos notar que este medo está intimamente ligado com o medo da morte. Chamamos de morte tudo aquilo que está relacionado às perdas. A perda dos entes queridos em conseqüência de sua morte, a perda de um amor, a perda do emprego, entre outros, e a uma sensação de desamparo. Quando o indivíduo, ainda em sua infância, se percebe só, experiencia esta sensação afastando-se do caminho da liberdade e procura agir de maneira a permanecer vinculado às figuras familiares e às regras da cultura social, na tentativa de se sentir acolhido.
       Ignora que este processo só intensifica seus medos, encouraçando-o ainda mais, tornando-o cada vez mais cansado, exaurido de sua energia essencial. E é assim que se instauram e se ampliam os casos de depressão. “Sentir-se cansado pode ser interpretado como declaração do corpo no sentido de que ele está ‘cansado’ de ser subjugado pelo ego para satisfazer uma imagem que não tem relação com as necessidades corporais. Não há sentido em realizar coisas se essa realização nada faz para favorecer o prazer de ser. “(Lowen, 1980)
       O indivíduo luta contra seu próprio ser na tentativa de não fracassar, de não falhar, de não cair. Esquece-se que isto faz parte da vivência, da experiência humana. Esquece-se de viver com sabedoria, que é o equlíbrio. Esquece-se que “o fazer só é válido quando favorece o ser, e que o pensar só tem sentido se derivar do sentir”(Ibidem)
       Se nos entregarmos a esta sabedoria, inerente a todos os seres humanos, mas que subjulgamos, poderemos enfim perder este medo que vive nos rodeando. E se formos tomados por esta sabedoria nos tornaremos autênticos, verdadeiros. “Os outros podem pensar o que quiserem, o importante para ele é não mentir mais. Ser autêntico. É nesta autenticidade que ele encontra a sua paz e a sua força.”
( Leloup,1996, pg.61)
        E trazendo todos estes elementos à nossa consciência é que realmente poderemos ter a oportunidade de perder este medo de viver plena e intensamente. Se associarmos esta busca a uma psicoterapia, a musicoterapia, a uma terapia corporal, poderemos nos ajudar e muito nesta conscientização. Poderemos ampliar nossa visão e abrir novos caminhos: “E a libertação do medo não é somente uma coisa psíquica ou intelectual. É também algo físico” (Ibidem). Porém não podemos perder o referencial de que estamos ligados à uma energia que movimenta toda a existência, sem entrarmos no mérito de qual sua origem, e que através desta energia é que podemos encontrar uma força libertadora.
       Saber que esta força se encontra dentro e fora de nós, num continuum, e promove o transcender ao outro e uma volta para nós.
       Finalmente “ ...nós não temos mais medo do que antes nos fazia ter medo. E esta é uma experiência que podemos sentir em nosso próprio corpo.”(Ibidem,pg.60:61)



Referências bibliográficas:

GIKOVATE,Flávio, Em Busca da Felicidade, MG Associados, 6 ª ed., 1981
LELOUP,Jean –Yves, Caminhos da Realização – Dos medos do eu ao mergulho no Ser, Editora Vozes, 16 ª ed., 1996.
LOWEN, Alexander, Medo da Vida, Ed. Círculo do Livro, São Paulo, 1980.

________________, Bioenergética,  Summus, São Paulo, 1982.

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