O Mito da Parelha Alada
em Fedro (Platão) e sua Relação
com a Teoria
do Aparelho Psíquico(Freud)
No diálogo Fedro, onde Platão tem como interlocutores o irônico e velho
Sócrates e o jovem e entusiasmado Fedro e que discorre a respeito do amor, da
alma e da retórica, nos deparamos com o “mito da parelha alada” (246a).
Sócrates cita este mito no momento em
que desenvolve uma discussão sobre a alma, a fim de explicar, por meio de uma
alegoria, a complexidade de nossa existência enquanto seres sensíveis que
buscam sua evolução, sua verdade.
“Usemos,
portanto, esse meio. Imaginemos, pois, a alma como uma força mediante a qual
são mantidos naturalmente reunidos uma parelha de cavalos e um cocheiro,
sustentados por asas” (Platão
in Fedro,246a)
Esta carruagem tem como objetivo nos
levar às mais altas esferas, ao banquete dos deuses onde nos alimentaremos dos
mais sublimes néctares.
Mas esta “viagem”, esta pretensa
ascensão, não é nada fácil a nós seres sensíveis.
“(...)o cocheiro que nos governa rege uma parelha na qual um dos cavalos
é belo e bom, de boa raça, enquanto o outro é de raça ruim e de natureza
arrevesada. Assim, conduzir o nosso carro é ofício difícil e penoso” (Platão in
Fedro,246b)
Platão aqui nos apresenta uma tripartição da
alma: o cavalo belo e bom nos é apresentado como Thymos, que representa a coragem e se aloja no coração, “que não
sabe, mas que quer, com toda a força de seu entusiasmo e de sua generosidade,
conduz a alma em direção ao que é bom e ao que é belo”. (Droz,1997)
“O
cavalo de melhor aspecto tem um corpo harmonioso e bonito; pescoço alto,
focinho curvo, cor branca, olhos pretos; ama a honestidade e é dotado de
sobriedade e pudor, amigo como é da opinião certa. Não deve ser batido e sim
dirigido pelo comando e pela palavra.(...)”(Fedro, 253d)
O cavalo de raça ruim e de natureza
arrevesada é apresentado como Epitumeticon,
que representa nossa parte sensível, nossa sensualidade e se aloja em nosso
ventre, o diafragma, e “submete a alma ao bem do corpo” (ibdem).
“(...)O outro – o mau – é torto e disforme;
segue o caminho sem deliberação; com o pescoço baixo tem um focinho achatado e
a sua cor é preta; seus olhos de coruja são estriados de sangue; é amigo da
soberba e da lascívia; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece apenas – e com
esforço – ao chicote e ao açoite.”( Fedro, 253d)
E
o cocheiro é apresentado como o Nous
ou a alma que raciocina, representando a razão e que se aloja em nossa cabeça
“parte divina do homem, pode, pela dialética, levar a alma ao conhecimento do
Inteligível e à Idéia do Bem”. (ibdem).
Observando a simbologia deste mito é
possível perceber uma relação com a segunda tópica de Freud, que procura
explicar o funcionamento do aparelho psíquico por meio do inconsciente, propondo
uma divisão em três instâncias deste inconsciente:
-
Id,
-
Ego e
-
Superego.
O Id
“constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão
psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e,
por outro, recalcados e adquiridos”(Laplanche e Pontalis, 2001). É a parte mais
inacessível da estrutura da mente, desconhecendo qualquer tipo de valor, moral
ou ética, buscando apenas a satisfação imediata de seus desejos desconsiderando
a realidade objetiva sendo, portanto, movido pelo princípio do prazer evitando
toda e qualquer dor. É no Id que nossa libido se encontra.
Esta instância pode ser relacionada com o Epitumeticon.
O
Superego, uma das instâncias da personalidade na segunda teoria do aparelho
psíquico, “seu papel é assimilável ao de um juiz ou de um censor relativamente
ao ego.” (ibdem). Constituído por pensamentos morais e éticos apreendidos
durante toda a vida do indivíduo, principalmente durante a fase da formação da
personalidade na infância, por meio de regras que nos são ensinadas por nossos
pais e por instituições a qual pertencemos.
O Id e o Superego se opõem, procurando cada um a satisfação de suas
pulsões nas ações humanas. Aqui podemos estabelecer uma relação com o Thymos.
“(...)devemos, além disso, examinar o
seguinte: em cada um de nós há dois princípios que nos governam e conduzem, e
nós os seguimos para onde nos levam: um é o desejo inato do prazer, outro a
opinião que pretende obter o que é melhor. Essas duas tendências que existem
dentro de nós concordam por vezes, em outras entram em conflito, por vezes
vence uma e por vezes a outra” (Fedro).
Quanto
ao Ego, “do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto
para as reivindicações do Id, como para com os imperativos do Superego e
exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos
interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa.”(ibdem).
Compondo a consciência, é ele quem viabiliza a satisfação do Id e do Superego e
o contato de ambas as instâncias com a realidade. A relação com Logisticon aqui se faz presente.
“A razão que atrai as almas para o céu da
Verdade é porque somente aí poderiam elas encontrar o alimento capaz de
nutri-las e de desenvolver-lhes as asas, aquele que conduz a alma para longe
das baixas paixões.”(Fedro, 248d)
Esta analogia entre a estrutura
tripartite da alma proposta por Platão e as três instâncias diferenciadas por
Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico, expressa a necessidade de
seres sensíveis ficarem atentos aos processos de desenvolvimento pessoal e
relacional com o mundo, com o todo.
Assim também como nos
afirma Santos(2007) sobre as partes da alma “ (...)ela constitui uma
pluralidade. È composta de Dynamis
dispares e opostas – a razão, a parte apetitiva, intermediadas pela faculdade
da ação – cada qual com seus desejos e prazeres próprios(...)
Mesmo
conscientes desta compartimentação é preciso observar um diálogo entre estas
estruturas com uma “visão do todo”, pois sem uma ampla visão de conjunto e
sabedores de que estas partes da Alma são passíveis de desequilíbrio o Logisticon se excederia em um dos
extremos: deslumbrar-se por honras mundanas ou adotar uma postura asceta, de
isolar-se em seus pensamentos, como numa torre buscando a sabedoria, porém
dotado de uma inatividade que em nada contribuirá com o desenvolvimento desta
alma.
“(...) o princípio do movimento é o que a si mesmo move. (...) o que a
si próprio se move é imortal (...). Cada corpo movido de dentro é animado, pois
que o movimento é a natureza da alma. (Fedro,245d)
E neste diálogo, neste mover-se a alma segue
em sua evolução até encontrar o alimento capaz de nutri-la.
“Quando a alma, depois da evolução pela qual passa, chega a conhecer as
essências, esse conhecimento das verdades puras a mergulha na maior das
felicidades.” (Fedro, 247d)
Referências Bibliográficas:
BRISSON, Luc. Leituras de Platão.Porto
Alegre.,EDIPUCRS,2003
DROZ, Genevieve. Os Mitos Platônicos. Brasília.,Ed. UNB,
1997.
LAPLANCHE e PONTALIS.
Vocabulário de Psicanálise. 4ª ed.
São Paulo,
Martins
Fontes, 2001.
PLATÂO. Fedro.trad. Dr. Jorge Paleikat.Porto
Alegre,Globo,s/d
SANTOS, Prof. Dra.
Maria Carolina Alves dos, Dialética e
Terapêutica no Fedro
de Platão. Revista de E.F.H.da
Antiguidade, Cps/Bsb, nº 22/23,
jul2006/jun/2007.
Só por pôr os passos já devias ganhar um prêmio!kkkkk
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