sábado, 20 de julho de 2013

O Mito da Parelha Alada em Fedro (Platão) e sua Relação com a Teoria do Aparelho Psíquico(Freud)

                     O Mito da Parelha Alada em Fedro (Platão) e sua Relação
                                com a Teoria do Aparelho Psíquico(Freud)

                      
       No diálogo Fedro, onde Platão tem como interlocutores o irônico e velho Sócrates e o jovem e entusiasmado Fedro e que discorre a respeito do amor, da alma e da retórica, nos deparamos com o “mito da parelha alada” (246a).
       Sócrates cita este mito no momento em que desenvolve uma discussão sobre a alma, a fim de explicar, por meio de uma alegoria, a complexidade de nossa existência enquanto seres sensíveis que buscam sua evolução, sua verdade.
       “Usemos, portanto, esse meio. Imaginemos, pois, a alma como uma força mediante a qual são mantidos naturalmente reunidos uma parelha de cavalos e um cocheiro, sustentados por asas” (Platão in Fedro,246a)
       Esta carruagem tem como objetivo nos levar às mais altas esferas, ao banquete dos deuses onde nos alimentaremos dos mais sublimes néctares.
       Mas esta “viagem”, esta pretensa ascensão, não é nada fácil a nós seres sensíveis.
       “(...)o cocheiro que nos governa rege uma parelha na qual um dos cavalos é belo e bom, de boa raça, enquanto o outro é de raça ruim e de natureza arrevesada. Assim, conduzir o nosso carro é ofício difícil e penoso” (Platão in Fedro,246b)

     Platão aqui nos apresenta uma tripartição da alma: o cavalo belo e bom nos é apresentado como Thymos, que representa a coragem e se aloja no coração, “que não sabe, mas que quer, com toda a força de seu entusiasmo e de sua generosidade, conduz a alma em direção ao que é bom e ao que é belo”. (Droz,1997)
      “O cavalo de melhor aspecto tem um corpo harmonioso e bonito; pescoço alto, focinho curvo, cor branca, olhos pretos; ama a honestidade e é dotado de sobriedade e pudor, amigo como é da opinião certa. Não deve ser batido e sim dirigido pelo comando e pela palavra.(...)”(Fedro, 253d)
       O cavalo de raça ruim e de natureza arrevesada é apresentado como Epitumeticon, que representa nossa parte sensível, nossa sensualidade e se aloja em nosso ventre, o diafragma, e “submete a alma ao bem do corpo” (ibdem).
       “(...)O outro – o mau – é torto e disforme; segue o caminho sem deliberação; com o pescoço baixo tem um focinho achatado e a sua cor é preta; seus olhos de coruja são estriados de sangue; é amigo da soberba e da lascívia; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece apenas – e com esforço – ao chicote e ao açoite.”( Fedro, 253d)
        E o cocheiro é apresentado como o Nous ou a alma que raciocina, representando a razão e que se aloja em nossa cabeça “parte divina do homem, pode, pela dialética, levar a alma ao conhecimento do Inteligível e à Idéia do Bem”. (ibdem).
        Observando a simbologia deste mito é possível perceber uma relação com a segunda tópica de Freud, que procura explicar o funcionamento do aparelho psíquico por meio do inconsciente, propondo uma divisão em três instâncias deste inconsciente:
- Id,
- Ego e
- Superego.
       O Id “constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos”(Laplanche e Pontalis, 2001). É a parte mais inacessível da estrutura da mente, desconhecendo qualquer tipo de valor, moral ou ética, buscando apenas a satisfação imediata de seus desejos desconsiderando a realidade objetiva sendo, portanto, movido pelo princípio do prazer evitando toda e qualquer dor. É no Id que nossa libido se encontra.
Esta instância pode ser relacionada com o Epitumeticon.
       O Superego, uma das instâncias da personalidade na segunda teoria do aparelho psíquico, “seu papel é assimilável ao de um juiz ou de um censor relativamente ao ego.” (ibdem). Constituído por pensamentos morais e éticos apreendidos durante toda a vida do indivíduo, principalmente durante a fase da formação da personalidade na infância, por meio de regras que nos são ensinadas por nossos pais e por instituições a qual pertencemos.  O Id e o Superego se opõem, procurando cada um a satisfação de suas pulsões nas ações humanas. Aqui podemos estabelecer uma relação com o Thymos.

       “(...)devemos, além disso, examinar o seguinte: em cada um de nós há dois princípios que nos governam e conduzem, e nós os seguimos para onde nos levam: um é o desejo inato do prazer, outro a opinião que pretende obter o que é melhor. Essas duas tendências que existem dentro de nós concordam por vezes, em outras entram em conflito, por vezes vence uma e por vezes a outra” (Fedro).

       Quanto ao Ego, “do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto para as reivindicações do Id, como para com os imperativos do Superego e exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa.”(ibdem). Compondo a consciência, é ele quem viabiliza a satisfação do Id e do Superego e o contato de ambas as instâncias com a realidade. A relação com Logisticon aqui se faz presente.

    “A razão que atrai as almas para o céu da Verdade é porque somente aí poderiam elas encontrar o alimento capaz de nutri-las e de desenvolver-lhes as asas, aquele que conduz a alma para longe das baixas paixões.”(Fedro, 248d)


        Esta analogia entre a estrutura tripartite da alma proposta por Platão e as três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico, expressa a necessidade de seres sensíveis ficarem atentos aos processos de desenvolvimento pessoal e relacional com o mundo, com o todo.
        Assim também como nos afirma Santos(2007) sobre as partes da alma “ (...)ela constitui uma pluralidade. È composta de Dynamis dispares e opostas – a razão, a parte apetitiva, intermediadas pela faculdade da ação – cada qual com seus desejos e prazeres próprios(...)
         Mesmo conscientes desta compartimentação é preciso observar um diálogo entre estas estruturas com uma “visão do todo”, pois sem uma ampla visão de conjunto e sabedores de que estas partes da Alma são passíveis de desequilíbrio o Logisticon se excederia em um dos extremos: deslumbrar-se por honras mundanas ou adotar uma postura asceta, de isolar-se em seus pensamentos, como numa torre buscando a sabedoria, porém dotado de uma inatividade que em nada contribuirá com o desenvolvimento desta alma.
         “(...) o princípio do movimento é o que a si mesmo move. (...) o que a si próprio se move é imortal (...). Cada corpo movido de dentro é animado, pois que o movimento é a natureza da alma. (Fedro,245d)

        E neste diálogo, neste mover-se a alma segue em sua evolução até encontrar o alimento capaz de nutri-la.
             “Quando a alma, depois da evolução pela qual passa, chega a conhecer as essências, esse conhecimento das verdades puras a mergulha na maior das felicidades.” (Fedro, 247d)




Referências Bibliográficas:

BRISSON, Luc. Leituras de Platão.Porto Alegre.,EDIPUCRS,2003
DROZ, Genevieve. Os Mitos Platônicos. Brasília.,Ed. UNB, 1997.
LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. 4ª ed. São Paulo,
       Martins Fontes, 2001.
PLATÂO. Fedro.trad. Dr. Jorge Paleikat.Porto Alegre,Globo,s/d
SANTOS, Prof. Dra. Maria Carolina Alves dos, Dialética e Terapêutica no Fedro   
        de Platão. Revista de E.F.H.da Antiguidade, Cps/Bsb, nº 22/23,

        jul2006/jun/2007.

Um comentário:

Compartilhe seu comentário sobre esse texto.Obrigada!